domingo, 11 de agosto de 2013

Capítulo Cinco

Rosa Ward mordia a borracha do lápis e olhava fixamente, com um olhar perdido para seu pequeno bloquinho. Estava nervosa. Nunca tinha trabalhado num caso de homicídio antes e nunca sequer tinha se imaginado no mesmo lugar que um cadáver. Estava nervosa.
Em sua pequena colmeia, analisando o que a polícia sabia dos corpos até então, ela acreditava que seria outro dia ordinário de trabalho. Foi quando seu chefe a ligou e disse para encontrar a força tarefa numa pequena floresta aberta para visitamento no lado rico da cidade. Rosa sentiu seu estômago se retrair por completo, nunca tinha visto um corpo. E hoje não só veria um, mas teria que fazer perguntas sobre o mesmo para os policiais, saber cada pequeno detalhe. E escreveria uma matéria sobre ele. Pôs na cabeça que seria uma matéria incrível, que agarraria essa chance como nunca.
Agora, dentro do carro de seu parceiro, George, que parecia mais uma vela de tão pálido, ela encarava a página em branco de seu bloquinho. No topo, apenas escreveu corpo 3. Olhou para George, que de alguma forma, conseguiu dirigir até a pequena floresta e rolou os olhos. Ele sequer havia tirado as mãos do volante. Olhava para frente, as patrulhas com as luzes ligadas, cercando a entrada do parque. A polícia estava por toda a parte. Rosa o sacudiu o braço e ambos suspiraram. Saíram do carro e logo começaram a adentrar na mata.
Um policial bonito, de charme aparente os conduziu até o local do cadáver. Eram muitas as pessoas em volta, mas Rosa não teve dificuldade em reconhecer Joshua Needle e sua equipe. George vinha sempre em seu encalce e agradeceu o policial. Rosa já o havia esquecido, estava fascinada com a cena. O cheiro era completamente inundante. Penetrava em suas narinas, fazendo respirar se tornar mais difícil. Ela estava vivendo um filme.
Joshua avistou os jornalistas e os cumprimentou com um sorriso. Aproximou-se com as mãos nos bolsos e se apressou em se apresentar.
'Joshua, Joshua Needle, líder da equipe, sejam bem vindos.', Rosa sorriu de volta e George estremeceu.
'Sou Rosa Ward e esse é George Hammilway, somos os jornalistas encarregados do caso.', sentiu-se estúpida no mesmo segundo em que proferiu as palavras. Jornalistas encarregados do caso. Até parecia ser importante na investigação. Na verdade não era.
'Sei que o cheiro é desconfortável, mas depois de algumas cenas de crime acabamos por nos acostumar. O corpo está logo ali, é de uma mulher de aproximadamente trinta anos, caucasiana, sem identificação. Não há nada que diga que ela foi morta aqui e sim desovada... Você não deveria estar anotando tudo isso?', Joshua cortou o fluxo imaginário de Rosa, que logo trouxe sua mente de volta à realidade. Ela sorriu e começou a anotar rapidamente tudo que havia ouvido até agora. Trinta anos, caucasiana, sem identificação, desovada. Joshua pareceu aprovar e com um gesto, os levou a mais próximo do corpo.
'Francis, esses são George e Rosa. Os jornalistas.', apresentou ele. Ambos os jornalistas esticaram as mãos, afim de um aperto.
'Rebecca Francis, profiler. Vamos ver vocês bastante por aqui, então os aconselho a estarem sempre de tênis e roupas confortáveis.', disse ela ajeitando os óculos escuros na cabeça. Não estava sol.
Rosa sorriu por educação e buscou o corpo com os olhos. Estava curiosa. O cheiro estava mais forte. A putrefação se espalha com facilidade.
George estava cada vez mais branco e Rosa, mais curiosa. A equipe os cumprimentou com gentileza e os escoltou até o corpo. Era uma moça bonita, apesar de seu estado de decomposição. Seu tórax estava completamente talhado e seu rosto, virado para cima, para que todos pudessem vê-lo.
'Ele gosta de ver suas vítimas morrerem, gosta de desumanizá-las. Para ele, elas são apenas um objeto de prazer, nada mais.', disse Francis, olhando para a vítima deitada no meio dos galhos e folhas.
'Ele?', perguntou Rosa.
'Sim, com essa vítima podemos concluir que temos um único serial killer.', Fracis ajeitou novamente os óculos na cabeça. Que mania irritante. Rosa observou Rebecca por um instante. Tinha grandes olhos amendoados, pequenas sardinhas no rosto todo, como se tivessem começado a crescer na maçã do rosto e, em algum momento, perderam o controle. Pequenas covinhas apareciam nas laterais de suas bochechas magras quando sorria ou pronunciava a sílaba “fi”. Não lhe caía bem. Eram características bonitas, mas um conjunto desajeitado numa mulher acima da estatura média, de ombros largos que mal sabia se vestir. Parecia usar roupas unisex. Jaqueta de couro e jeans folgadas, porém não demais. Óculos de sol na cabeça prendendo a única coisa que a dava um ar feminino: seu cabelo longo solto. 'É o prazer de matar que o impulsiona. Incrível como esses assassinos seriais estão cada vez mais doentes.'
'Se parece com um romance meu...', comentou Rosa baixinho. Infelizmente, não saiu tão baixo quanto queria.
'Tem algum romance publicado?', perguntou Needle.

'Não.'

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Capítulo Quatro

As batidas altas eram excruciantes. Aquele ambiente era impróprio para qualquer ser humano, em sua opinião. Mas se queria mesmo aquilo, aquele era o lugar. Deixou aquela batida insuportável balançar seus quadris suavemente de lado para lado e fechou os olhos. Exalava sensualidade e sabia. Todos na pista de dança daquela espelunca sabiam. Seus movimentos atraíam olhares de todos os tipos, mas do bar, um par de olhos verdes fixou-se nos quadris dançantes para não se desprender mais. Nem mesmo para bebericar de seu dry martini. Os movimentos feitos pelos quadris eram hipnotizantes e depois de alguns minutos, o par de olhos já havia se rendido.
Levantou-se, abandonando o dry mantini, erguendo a alta figura magra e esbelta. Era dona de lábios fartos e desenhados e um sorriso escoado de quem esconde segredos curvos, assim como sua silhueta. Aproximou-se de Adele e de seus quadris dançantes, levando as mãos de dedos finos e longos ao ombros da outra, virando-a para si. Os olhares fixaram-se e um sorriso idêntico brotou em ambos os lábios. Completaram-se. Adele, sutilmente retirou as mãos da estranha de seus ombros e as juntou as suas, num gesto carinhoso nada condizente a sua personalidade voraz.
Com um verniz impecável perante a sociedade no geral, Adele se passava como qualquer mulher para todos. Inclusive para a bela estranha naquele estranho lugar. Virou de costas, pousando as mãos da estranha em seus quadris, ainda dançantes, e provocantemente uniu os corpos de ambas. Tirou os cabelos loiros e longos do pescoço, o oferecendo à moça que nem o nome sabia, como se fosse frágil, como se oferece também o controle da situação. Pobre engano.
Enquanto dançavam noite adentro, do lado de fora daquela pequena pocilga o mundo ainda girava e a polícia ainda corria contra o tempo. E Adele pouco se importava. Ainda era anônima e invencível. E seria até quando quisesse.
'Caroline.'
'O que?', sussurrou Adele entre os lábios entrelaçados.
'Meu nome é Caroline.', disse a estranha. Sua voz era rouca e grossa, quase fez Adele rir. Assentiu e segurou Caroline pelas mãos, a guiando para a saída. A noite estava gelada, mas nenhum vento ousava passar pelas ruas esburacadas daquela parte da cidade. Caroline usava uma calça social e uma ribana, seu terninho estava em mãos. Seu conjunto era todo preto, assim como seu salto de bico fino.
'Sou Adele. Traje bonito, Caroline.', disse com um sorriso debochado. Caroline riu sem graça e pôs o curto cabelo atrás da orelha.
'Sou advogada, saí do trabalho para uns drinks e deparei com você.', ela era perfeita. Era advogada!

'Advogada? Que incrível!', Adele fingiu surpresa mesclada com algo gostoso e cruzou os braços, tremendo levemente de frio. Sabia brincar de ser frágil como ninguém. Caroline sorriu como o doce de mulher que era e a envolveu com seu terninho. 'Só falta me dizer que é da vara criminal.', torcendo em seu âmago para que fosse, Adele observou a próxima expressão de Caroline concordar. Um leão dentro dela rugiu. Caroline era simplesmente perfeita. Perfeita! Era inteligente, porém não demais. Era astuta, esperta, mas sua vida havia caído na mesmice. Ela queria algo mais, queria o brilho em seus olhos de novo. E mataria por isso. Adele sabia. Caroline não fora a sua primeira cúmplice. E não seria a última.