sexta-feira, 26 de julho de 2013

Capítulo Três

Todos dentro da sala tinham grandes olheiras e as roupas começavam a ficar largas demais para seus corpos magros e mal alimentados. O trabalho tomava seu preço, tirando dos agentes da força tarefa grande parte do conforto de suas vidas. A dedicação agora era completa, já que mais de meses haviam se passado e nenhum deles conseguira reunir algo significativo.
O primeiro corpo fora achado numa Segunda-feira, nos matos mal cortados de uma praia de nudismo vazia perto da costa. Um homem com seus trinta e tantos anos andava pela área com a namorada e viu os cabelos ruivos despontando para a areia. A princípio, achou que a mulher dormia. Continuou a caminhada, relaxou perto do pontal e quando voltava para casa, a mulher ainda estava lá. Tentou acordá-la e ao perceber que era apenas um corpo, ligou para a policia.
Joshua foi chamado imediatamente, levado ao local com outros policiais e detetives do departamento mais próximo. Recolheram cabelo, raspas das unhas e a mandaram para o médico-legista. As feridas eram tantas que mal sabia-se por onde começar. Lenny, o legista, pareceu satisfeito ao ver os machucados limpos de qualquer vestígio de sangue, mas sujos de areia escura. Depois de quase uma madrugada inteira e metade da manhã, Lenny entregou um relatório completo sobre tudo que havia descoberto. Era um relatório enorme de quase cinco páginas. Cortes de órgãos internos feitos com precisão cirúrgica, um coquetel extenso de venenos, relaxantes musculares, adrenalina e penthatol, machucados superficiais que dessangraram e fizeram cicatrizes mal terminadas. Joshua via um assassino frio e cruel, mas o perfil do mesmo não era sua responsabilidade.
O segundo corpo foi achado duas semanas depois, ao lado de uma clínica de aborto má frequentada no lado mal cuidado da cidade. Era um rapaz por volta dos vinte anos, de porte atlético e bonito. Seu corpo fora bem conservado e ao chegar o relatório do médico-legista, pode-se notar o uso das mesmas drogas usadas na moça, os mesmos tipos de corte e o que para todos pareceu ser uma leve e discreta assinatura. Um “A” maiúsculo, praticamente perdido entre tantos cortes e queimaduras feitos na caixa torácica. Mas antes de chegar a assinatura, Joshua e seus colegas se preocupavam com o M.O do assassino, que não parecia fazer muito sentido até então.

Joshua mexeu em seu burrito frio com o garfo de plastico, bufando frustrado quando Clarice se aproximou. Sentou-se na mesa, a sua frente, com um belo sorriso. Joshua mal reparava nas mulheres. Mal reparava em sua própria mulher. E não se sentia culpado por isso. Sorriu de volta para Clarice e teve certeza: não tinha mais jeito com as mulheres. Jeito nenhum.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Capítulo Dois

Chovia tanto que poucas eram as pessoas na rua. Até os mendigos se obrigaram a achar abrigo, pois nenhum pedia esmola em algum canto sujo. Três carros chegaram juntos ao prédio e de um deles, Rosa Ward saiu em suas roupas pretas, realçando pouco, quase nada, seu corpo corrido. Mas contrastavam com seu cabelo repicado e azul desbotado. Dos outros carros, saíram homens, todos em seus ternos bem aprumados. O trio entrou no prédio velho, acenando com a cabeça para o guarda na entrada. Após todos passarem, o guarda que carregava o crachá com nome Faletti, abaixou a cabeça e voltou a dormir.
A construção parecia encardida e o cheiro de matérias bem escritas misturado com suor fazia com que qualquer um reparasse que se tratava da cede do jornal municipal. Rosa sentou-se em sua mesa, vendo a pilha de papeis que a aguardavam. Alguma matéria nova a cobrir ou o obituário da semana. Odiava o obituário, a fazia parecer menos jornalista e mais um carrasco. Mas felizmente, os papeis eram apenas congratulações pela sua última matéria e observações críticas sobre seus pequenos erros.
O telefone, localizado atrás de todos os papeis, soou alto e Rosa quase não o atendeu ao ver o ramal de seu chefe na bina.
'Venha ao meu escritório agora.', e a linha ficou muda. Era por essa e mais algumas que evitava o telefone dentro do trabalho. Ninguém era educado e com o tempo ela aprendeu a não ser também.
Levantou-se com o bloquinho e caneta em mãos e dirigiu-se ao fim do corredor, onde uma sala aparentemente compacta ficava escondida pela cantina. Abrindo a porta, George Brandon estava de pé em frente a mesa do chefe, com as mãos atadas nas costas. O chefe era um homem de expressões que pouco variavam. Rosa o havia visto sorrir apenas duas vezes desde que começara a trabalhar no jornal e nenhuma das duas fora para ela. Seus cabelos grisalhos davam a impressão de ser mais velho do que realmente era. Não passava da faixa dos quarenta, embora tudo em seu físico afirmasse que tinha quase sessenta. Era estressado por natureza e a marca de uma aliança não presente em seu dedo anelar entregava seu status de viúvo. Estava acomodado em sua cadeira majestosa, com os dedos massageando levemente a têmpora esquerda. Parecia irritado com os olhos semicerrados atrás dos oclinhos retangulares intelectuais.
'É o seguinte, o caso é extenso e massante, quero os dois cobrindo tudo, desde o desaparecimento até o corpos desovados. Fizemos um acordo com a polícia e todos os metidos a bestas para que vocês pudessem estar com eles em tempo integral. Nós somos exclusivos, então se alguma coisa vazar, eu desconto do salário de vocês, entenderam?', sua voz era ácida e clara. Ambos os jornalistas assentiram, trocaram um olhar pouco confortável e esperaram o chefe dar suas deixas.
Rosa voltou a sua mesa e viu um copo descartável de café que não estava por ali antes. Do outro lado da sala dividida em colmeias, Mark Polovisk sorria para ela e a brindava com um copo semelhante ao seu, erguido ao ar. Um sorriso amarelo foi forçado a brotar em seus lábios enquanto repetia o gesto do colega e bebia um generoso gole do café adocicado demais. Segurou uma careta desagradável para que Mark não se sentisse ofendido e ergueu o copo ao ar novamente, ainda sob o olhar vigilante do colega, em sinal de agradecimento.
Viu pequenos papeis com cola adesiva grudados à tela de seu computador. Neles, haviam escritos nomes que ela só conhecia de jornais antigos e fotos que agora eram apenas imagens desbotadas em preto e branco. Eram os nomes de Joshua Niddle, detetive chefe da força tarefa e Rebecca Francis, responsável pelo perfil traçado do psicopata da vez. Arrancou os dois pequenos retângulos de cola fraca e os jogou dentro da agenda de couro, cujas páginas, em sua grande maioria, estavam brancas. Preferia os blocos, os usava com mais frequência. A agenda era uma consideração, um gesto de agradecimento ao seu chefe, que a dava uma nova a cada início de ano.
Estava distraída, lendo as críticas da sua última publicação quando sentiu a presença de alguém que ainda não sabia quem era a cercando. Girou dentro de órbita na cadeira inclinável de computador, vendo George atrás de si, roendo a unha do polegar, nervoso. Parecia estar longe dali, pensando em algo que podia aterrorizar milhões.
'Quer alguma coisa, George?', não que Rosa algum dia tivesse desenvolvido afeição pelo homem, ela o repudiava, mas eram parceiros de trabalho agora. E ela sabia ser uma boa profissional. George desceu à Terra e trouxe consigo olhos preocupados.
'Rosa, precisa me ajudar. Eu tenho pavor de sangue, de morte, eu não leio obituários, não vejo a parte perícia do jornal, eu estou longe de ser um jornalista criminal. Você precisa conversar com Adam, precisa fazer ele me tirar dessa.', o jornalista andava de um lado para o outro com as mãos inquietas. Não parecia ser tão terrível quanto ele argumentava.
'O que te faz pensar que tenho poder de influenciar o chefe? Se tivesse, estaria eu sentada naquela cadeira enorme, não aqui.', Rosa viu os olhos do colega se espremerem em desespero ímpar. Estava realmente começando a parecer que não iria aguentar. 'Posso falar com ele, mas se você conseguir sair dessa, eu quero um aumento.', virou a cadeira de volta para sua colmeia antes que pudesse observar a mudança de expressão no rosto do outro.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Capítulo Um

A TV exibia as últimas noticias das pessoas desaparecidas na costa. Reconheceu três rostos dos rostos mostrados. Dois já estavam mortos, desovados em lugares que ela mesma havia escolhido. Lugares com valores, como alguns diriam, sentimentais. O primeiro nos matos mal cortados do inicio de uma praia pouco e mal frequentada e, o segundo, ao lado de uma clínica de aborto. Surpreendia-lhe que os detetives ainda não os tivessem encontrado. Ela nunca fora boa em esconde-esconde.
Deixou sua caneca com o café amargo em cima da mesinha baixa entre o sofá e a televisão e se levantou, pronta para checar sua, como gostava de pensar, visita querida. Desceu as escadas que davam para o porão. Era quase um labirinto. O cheiro doce de sangue e morte era peculiar, embora sempre presente. As paredes brancas a serviam como calmante, tranquilizando-na a alma para que eu não passasse do êxtase comum. O chão de cimento era adequado, assim como as luzes fortes e brancas. Era muito tranquilo lá embaixo. Seu antro de prazer.
Ao abrir a porta, via-se uma mulher, que já fora mais bonita, deitada, adormecida. Intravenosas entravam e cateteres saiam de seu corpo. Se pudesse, ela teria comprado uma unidade de monitoramento para que a vítima tivesse a companhia do monótono bipe de seu coração enquanto ela não estava por perto. Enquanto esterilizava o bisturi, a pinça e a tesoura, os olhos verdes vivos, que já foram mais vivos, da vítima a buscaram. Devia ser agonizante não saber se era dia ou noite, almoço ou jantar. Mas ela nunca esquecia de encher-lhe o estômago com um coquetel diferente, diariamente.
'Dormiu bem, querida?', perguntou com a voz doce. Era incrível como soava morna. Pôs a tesoura na bancada, junto aos outros instrumentos. Aproximou-se com um pano áspero, observando com deleito a esperança esvair-se com rapidez admirável dos olhos verdes. Limpou-lhe a testa, as maçãs do rosto e o pescoço. As lágrimas eram delicadas, parecendo pequenas pérolas rolando as têmporas abaixo. 'Já que não quer conversar hoje, vou apenas te dar seu almoço.', enquanto se afastava com suavidade felina, Adele cantarolava algo próximo de um blues. Seus quadris dançavam ao próprio ritmo, sedutoramente. Era incrível como tamanha delicadeza sobrevivia dentro de um ser tão bruto.
Havia três tubos de ensaios, cheios, com líquidos indecifráveis. Dentro do armário pregado à parede, haviam mais inúmeros vazios, dos quais ela pegou um para juntar aos outros. Em medidas precisas, um terço de cada líquido fizeram uma mistura incolor dentro do tubo antes vazio. O brilho de seus olhos azuis aumentavam conforme se aproximava da moça deitada, cujo desespero nem mais transparecia. Após cinco dias, ela já desistira de sair daquele lugar. Ergueu a cabeça, oferecendo a boca para o que Adele trazia e tomou tudo que havia dentro do tubo. Ardia, queimava e a deixava a sentir o gosto de sangue subir da boca de seu estômago até a ponta da língua. Era torturante, mas os primeiros dias foram piores. Os gritos e súplicas apenas pareciam alargar mais o sorriso doce que dançava nos lábios doentios daquela mulher.

Após depositar um beijo na testa da vítima, Adele a desejou boa noite e voltou até sua sala, pegando sua caneca de café enquanto sentava no sofá. Um gole foi tudo que fez antes de olhar no relógio e levantar-se em um pulo. Era tarde, tinha que trabalhar.

Prefácio

Nós paramos de procurar por monstros debaixo da cama quando percebemos que eles estão dentro de nós
                            Desconhecido


A cidade sempre adormece, mas nem sempre junta. Há quem durma depois da meia noite.