sexta-feira, 19 de julho de 2013

Capítulo Um

A TV exibia as últimas noticias das pessoas desaparecidas na costa. Reconheceu três rostos dos rostos mostrados. Dois já estavam mortos, desovados em lugares que ela mesma havia escolhido. Lugares com valores, como alguns diriam, sentimentais. O primeiro nos matos mal cortados do inicio de uma praia pouco e mal frequentada e, o segundo, ao lado de uma clínica de aborto. Surpreendia-lhe que os detetives ainda não os tivessem encontrado. Ela nunca fora boa em esconde-esconde.
Deixou sua caneca com o café amargo em cima da mesinha baixa entre o sofá e a televisão e se levantou, pronta para checar sua, como gostava de pensar, visita querida. Desceu as escadas que davam para o porão. Era quase um labirinto. O cheiro doce de sangue e morte era peculiar, embora sempre presente. As paredes brancas a serviam como calmante, tranquilizando-na a alma para que eu não passasse do êxtase comum. O chão de cimento era adequado, assim como as luzes fortes e brancas. Era muito tranquilo lá embaixo. Seu antro de prazer.
Ao abrir a porta, via-se uma mulher, que já fora mais bonita, deitada, adormecida. Intravenosas entravam e cateteres saiam de seu corpo. Se pudesse, ela teria comprado uma unidade de monitoramento para que a vítima tivesse a companhia do monótono bipe de seu coração enquanto ela não estava por perto. Enquanto esterilizava o bisturi, a pinça e a tesoura, os olhos verdes vivos, que já foram mais vivos, da vítima a buscaram. Devia ser agonizante não saber se era dia ou noite, almoço ou jantar. Mas ela nunca esquecia de encher-lhe o estômago com um coquetel diferente, diariamente.
'Dormiu bem, querida?', perguntou com a voz doce. Era incrível como soava morna. Pôs a tesoura na bancada, junto aos outros instrumentos. Aproximou-se com um pano áspero, observando com deleito a esperança esvair-se com rapidez admirável dos olhos verdes. Limpou-lhe a testa, as maçãs do rosto e o pescoço. As lágrimas eram delicadas, parecendo pequenas pérolas rolando as têmporas abaixo. 'Já que não quer conversar hoje, vou apenas te dar seu almoço.', enquanto se afastava com suavidade felina, Adele cantarolava algo próximo de um blues. Seus quadris dançavam ao próprio ritmo, sedutoramente. Era incrível como tamanha delicadeza sobrevivia dentro de um ser tão bruto.
Havia três tubos de ensaios, cheios, com líquidos indecifráveis. Dentro do armário pregado à parede, haviam mais inúmeros vazios, dos quais ela pegou um para juntar aos outros. Em medidas precisas, um terço de cada líquido fizeram uma mistura incolor dentro do tubo antes vazio. O brilho de seus olhos azuis aumentavam conforme se aproximava da moça deitada, cujo desespero nem mais transparecia. Após cinco dias, ela já desistira de sair daquele lugar. Ergueu a cabeça, oferecendo a boca para o que Adele trazia e tomou tudo que havia dentro do tubo. Ardia, queimava e a deixava a sentir o gosto de sangue subir da boca de seu estômago até a ponta da língua. Era torturante, mas os primeiros dias foram piores. Os gritos e súplicas apenas pareciam alargar mais o sorriso doce que dançava nos lábios doentios daquela mulher.

Após depositar um beijo na testa da vítima, Adele a desejou boa noite e voltou até sua sala, pegando sua caneca de café enquanto sentava no sofá. Um gole foi tudo que fez antes de olhar no relógio e levantar-se em um pulo. Era tarde, tinha que trabalhar.

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