A TV exibia as últimas
noticias das pessoas desaparecidas na costa. Reconheceu três rostos dos rostos mostrados.
Dois já estavam mortos, desovados em lugares que ela mesma havia
escolhido. Lugares com valores, como alguns diriam, sentimentais. O
primeiro nos matos mal cortados do inicio de uma praia pouco e mal frequentada e, o segundo, ao lado de uma clínica de aborto.
Surpreendia-lhe que os detetives ainda não os tivessem encontrado.
Ela nunca fora boa em esconde-esconde.
Deixou sua caneca com o café
amargo em cima da mesinha baixa entre o sofá e a televisão e se levantou,
pronta para checar sua, como gostava de pensar, visita querida. Desceu as escadas que davam
para o porão. Era quase um labirinto. O cheiro doce de sangue e morte era peculiar, embora
sempre presente. As paredes brancas a serviam
como calmante, tranquilizando-na a alma para que eu não passasse do êxtase comum. O chão de cimento era adequado, assim como as luzes
fortes e brancas. Era muito tranquilo lá embaixo. Seu antro de
prazer.
Ao abrir a porta, via-se uma
mulher, que já fora mais bonita, deitada, adormecida. Intravenosas
entravam e cateteres saiam de seu corpo. Se pudesse, ela teria
comprado uma unidade de monitoramento para que a vítima tivesse a
companhia do monótono bipe de seu coração enquanto ela não estava
por perto. Enquanto esterilizava o bisturi, a pinça e a tesoura, os
olhos verdes vivos, que já foram mais vivos, da vítima a buscaram.
Devia ser agonizante não saber se era dia ou noite, almoço ou
jantar. Mas ela nunca esquecia de encher-lhe o estômago com um
coquetel diferente, diariamente.
'Dormiu bem, querida?', perguntou com a voz doce. Era incrível como soava morna. Pôs
a tesoura na bancada, junto aos outros instrumentos. Aproximou-se com
um pano áspero, observando com deleito a esperança esvair-se com
rapidez admirável dos olhos verdes. Limpou-lhe a testa, as maçãs
do rosto e o pescoço. As lágrimas eram delicadas, parecendo
pequenas pérolas rolando as têmporas abaixo. 'Já que não quer
conversar hoje, vou apenas te dar seu almoço.', enquanto se afastava
com suavidade felina, Adele cantarolava algo próximo de um blues.
Seus quadris dançavam ao próprio ritmo, sedutoramente. Era incrível
como tamanha delicadeza sobrevivia dentro de um ser tão bruto.
Havia três tubos de
ensaios, cheios, com líquidos indecifráveis. Dentro do armário
pregado à parede, haviam mais inúmeros vazios, dos quais ela pegou um para
juntar aos outros. Em medidas precisas, um terço de cada líquido
fizeram uma mistura incolor dentro do tubo antes vazio. O brilho de
seus olhos azuis aumentavam conforme se aproximava da moça deitada,
cujo desespero nem mais transparecia. Após cinco dias, ela já
desistira de sair daquele lugar. Ergueu a cabeça, oferecendo a boca
para o que Adele trazia e tomou tudo que havia dentro do tubo. Ardia, queimava e a deixava a sentir o gosto de sangue subir da boca de seu estômago até a ponta
da língua. Era torturante, mas os primeiros dias foram piores. Os
gritos e súplicas apenas pareciam alargar mais o sorriso doce que
dançava nos lábios doentios daquela mulher.
Após depositar um beijo na
testa da vítima, Adele a desejou boa noite e voltou até sua sala,
pegando sua caneca de café enquanto sentava no sofá. Um gole foi
tudo que fez antes de olhar no relógio e levantar-se em um pulo. Era
tarde, tinha que trabalhar.
gostei :)
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