Chovia tanto que poucas eram
as pessoas na rua. Até os mendigos se obrigaram a achar abrigo, pois
nenhum pedia esmola em algum canto sujo. Três carros chegaram juntos
ao prédio e de um deles, Rosa Ward saiu em suas roupas pretas,
realçando pouco, quase nada, seu corpo corrido. Mas contrastavam com
seu cabelo repicado e azul desbotado. Dos outros carros, saíram
homens, todos em seus ternos bem aprumados. O trio entrou no prédio
velho, acenando com a cabeça para o guarda na entrada. Após todos
passarem, o guarda que carregava o crachá com nome Faletti, abaixou
a cabeça e voltou a dormir.
A construção parecia
encardida e o cheiro de matérias bem escritas misturado com suor
fazia com que qualquer um reparasse que se tratava da cede do jornal
municipal. Rosa sentou-se em sua mesa, vendo a pilha de papeis que a
aguardavam. Alguma matéria nova a cobrir ou o obituário da semana.
Odiava o obituário, a fazia parecer menos jornalista e mais um
carrasco. Mas felizmente, os papeis eram apenas congratulações pela
sua última matéria e observações críticas sobre seus pequenos
erros.
O telefone, localizado atrás
de todos os papeis, soou alto e Rosa quase não o atendeu ao ver o
ramal de seu chefe na bina.
'Venha ao meu escritório
agora.', e a linha ficou muda. Era por essa e mais algumas que
evitava o telefone dentro do trabalho. Ninguém era educado e com o
tempo ela aprendeu a não ser também.
Levantou-se com o bloquinho
e caneta em mãos e dirigiu-se ao fim do corredor, onde uma sala
aparentemente compacta ficava escondida pela cantina. Abrindo a
porta, George Brandon estava de pé em frente a mesa do chefe, com as
mãos atadas nas costas. O chefe era um homem de expressões que
pouco variavam. Rosa o havia visto sorrir apenas duas vezes desde que
começara a trabalhar no jornal e nenhuma das duas fora para ela.
Seus cabelos grisalhos davam a impressão de ser mais velho do que
realmente era. Não passava da faixa dos quarenta, embora tudo em seu
físico afirmasse que tinha quase sessenta. Era estressado por
natureza e a marca de uma aliança não presente em seu dedo anelar
entregava seu status de viúvo. Estava acomodado em sua cadeira
majestosa, com os dedos massageando levemente a têmpora esquerda.
Parecia irritado com os olhos semicerrados atrás dos oclinhos
retangulares intelectuais.
'É o seguinte, o caso é
extenso e massante, quero os dois cobrindo tudo, desde o
desaparecimento até o corpos desovados. Fizemos um acordo com a
polícia e todos os metidos a bestas para que vocês pudessem estar
com eles em tempo integral. Nós somos exclusivos, então se alguma
coisa vazar, eu desconto do salário de vocês, entenderam?', sua voz
era ácida e clara. Ambos os jornalistas assentiram, trocaram um
olhar pouco confortável e esperaram o chefe dar suas deixas.
Rosa voltou a sua mesa e viu
um copo descartável de café que não estava por ali antes. Do outro
lado da sala dividida em colmeias, Mark Polovisk sorria para ela e a
brindava com um copo semelhante ao seu, erguido ao ar. Um sorriso
amarelo foi forçado a brotar em seus lábios enquanto repetia o
gesto do colega e bebia um generoso gole do café adocicado demais.
Segurou uma careta desagradável para que Mark não se sentisse
ofendido e ergueu o copo ao ar novamente, ainda sob o olhar vigilante
do colega, em sinal de agradecimento.
Viu pequenos papeis com cola
adesiva grudados à tela de seu computador. Neles, haviam escritos
nomes que ela só conhecia de jornais antigos e fotos que agora eram
apenas imagens desbotadas em preto e branco. Eram os nomes de Joshua
Niddle, detetive chefe da força tarefa e Rebecca Francis,
responsável pelo perfil traçado do psicopata da vez. Arrancou os
dois pequenos retângulos de cola fraca e os jogou dentro da agenda
de couro, cujas páginas, em sua grande maioria, estavam brancas.
Preferia os blocos, os usava com mais frequência. A agenda era uma
consideração, um gesto de agradecimento ao seu chefe, que a dava
uma nova a cada início de ano.
Estava distraída, lendo as
críticas da sua última publicação quando sentiu a presença de
alguém que ainda não sabia quem era a cercando. Girou dentro de
órbita na cadeira inclinável de computador, vendo George atrás de
si, roendo a unha do polegar, nervoso. Parecia estar longe dali,
pensando em algo que podia aterrorizar milhões.
'Quer alguma coisa,
George?', não que Rosa algum dia tivesse desenvolvido afeição pelo
homem, ela o repudiava, mas eram parceiros de trabalho agora. E ela
sabia ser uma boa profissional. George desceu à Terra e trouxe
consigo olhos preocupados.
'Rosa, precisa me ajudar. Eu
tenho pavor de sangue, de morte, eu não leio obituários, não vejo
a parte perícia do jornal, eu estou longe de ser um jornalista
criminal. Você precisa conversar com Adam, precisa fazer ele me
tirar dessa.', o jornalista andava de um lado para o outro com as
mãos inquietas. Não parecia ser tão terrível quanto ele
argumentava.
'O que te faz pensar que
tenho poder de influenciar o chefe? Se tivesse, estaria eu sentada
naquela cadeira enorme, não aqui.', Rosa viu os olhos do colega se
espremerem em desespero ímpar. Estava realmente começando a parecer
que não iria aguentar. 'Posso falar com ele, mas se você conseguir
sair dessa, eu quero um aumento.', virou a cadeira de volta para sua
colmeia antes que pudesse observar a mudança de expressão no rosto
do outro.
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