terça-feira, 23 de julho de 2013

Capítulo Dois

Chovia tanto que poucas eram as pessoas na rua. Até os mendigos se obrigaram a achar abrigo, pois nenhum pedia esmola em algum canto sujo. Três carros chegaram juntos ao prédio e de um deles, Rosa Ward saiu em suas roupas pretas, realçando pouco, quase nada, seu corpo corrido. Mas contrastavam com seu cabelo repicado e azul desbotado. Dos outros carros, saíram homens, todos em seus ternos bem aprumados. O trio entrou no prédio velho, acenando com a cabeça para o guarda na entrada. Após todos passarem, o guarda que carregava o crachá com nome Faletti, abaixou a cabeça e voltou a dormir.
A construção parecia encardida e o cheiro de matérias bem escritas misturado com suor fazia com que qualquer um reparasse que se tratava da cede do jornal municipal. Rosa sentou-se em sua mesa, vendo a pilha de papeis que a aguardavam. Alguma matéria nova a cobrir ou o obituário da semana. Odiava o obituário, a fazia parecer menos jornalista e mais um carrasco. Mas felizmente, os papeis eram apenas congratulações pela sua última matéria e observações críticas sobre seus pequenos erros.
O telefone, localizado atrás de todos os papeis, soou alto e Rosa quase não o atendeu ao ver o ramal de seu chefe na bina.
'Venha ao meu escritório agora.', e a linha ficou muda. Era por essa e mais algumas que evitava o telefone dentro do trabalho. Ninguém era educado e com o tempo ela aprendeu a não ser também.
Levantou-se com o bloquinho e caneta em mãos e dirigiu-se ao fim do corredor, onde uma sala aparentemente compacta ficava escondida pela cantina. Abrindo a porta, George Brandon estava de pé em frente a mesa do chefe, com as mãos atadas nas costas. O chefe era um homem de expressões que pouco variavam. Rosa o havia visto sorrir apenas duas vezes desde que começara a trabalhar no jornal e nenhuma das duas fora para ela. Seus cabelos grisalhos davam a impressão de ser mais velho do que realmente era. Não passava da faixa dos quarenta, embora tudo em seu físico afirmasse que tinha quase sessenta. Era estressado por natureza e a marca de uma aliança não presente em seu dedo anelar entregava seu status de viúvo. Estava acomodado em sua cadeira majestosa, com os dedos massageando levemente a têmpora esquerda. Parecia irritado com os olhos semicerrados atrás dos oclinhos retangulares intelectuais.
'É o seguinte, o caso é extenso e massante, quero os dois cobrindo tudo, desde o desaparecimento até o corpos desovados. Fizemos um acordo com a polícia e todos os metidos a bestas para que vocês pudessem estar com eles em tempo integral. Nós somos exclusivos, então se alguma coisa vazar, eu desconto do salário de vocês, entenderam?', sua voz era ácida e clara. Ambos os jornalistas assentiram, trocaram um olhar pouco confortável e esperaram o chefe dar suas deixas.
Rosa voltou a sua mesa e viu um copo descartável de café que não estava por ali antes. Do outro lado da sala dividida em colmeias, Mark Polovisk sorria para ela e a brindava com um copo semelhante ao seu, erguido ao ar. Um sorriso amarelo foi forçado a brotar em seus lábios enquanto repetia o gesto do colega e bebia um generoso gole do café adocicado demais. Segurou uma careta desagradável para que Mark não se sentisse ofendido e ergueu o copo ao ar novamente, ainda sob o olhar vigilante do colega, em sinal de agradecimento.
Viu pequenos papeis com cola adesiva grudados à tela de seu computador. Neles, haviam escritos nomes que ela só conhecia de jornais antigos e fotos que agora eram apenas imagens desbotadas em preto e branco. Eram os nomes de Joshua Niddle, detetive chefe da força tarefa e Rebecca Francis, responsável pelo perfil traçado do psicopata da vez. Arrancou os dois pequenos retângulos de cola fraca e os jogou dentro da agenda de couro, cujas páginas, em sua grande maioria, estavam brancas. Preferia os blocos, os usava com mais frequência. A agenda era uma consideração, um gesto de agradecimento ao seu chefe, que a dava uma nova a cada início de ano.
Estava distraída, lendo as críticas da sua última publicação quando sentiu a presença de alguém que ainda não sabia quem era a cercando. Girou dentro de órbita na cadeira inclinável de computador, vendo George atrás de si, roendo a unha do polegar, nervoso. Parecia estar longe dali, pensando em algo que podia aterrorizar milhões.
'Quer alguma coisa, George?', não que Rosa algum dia tivesse desenvolvido afeição pelo homem, ela o repudiava, mas eram parceiros de trabalho agora. E ela sabia ser uma boa profissional. George desceu à Terra e trouxe consigo olhos preocupados.
'Rosa, precisa me ajudar. Eu tenho pavor de sangue, de morte, eu não leio obituários, não vejo a parte perícia do jornal, eu estou longe de ser um jornalista criminal. Você precisa conversar com Adam, precisa fazer ele me tirar dessa.', o jornalista andava de um lado para o outro com as mãos inquietas. Não parecia ser tão terrível quanto ele argumentava.
'O que te faz pensar que tenho poder de influenciar o chefe? Se tivesse, estaria eu sentada naquela cadeira enorme, não aqui.', Rosa viu os olhos do colega se espremerem em desespero ímpar. Estava realmente começando a parecer que não iria aguentar. 'Posso falar com ele, mas se você conseguir sair dessa, eu quero um aumento.', virou a cadeira de volta para sua colmeia antes que pudesse observar a mudança de expressão no rosto do outro.

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